quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Insólitos Matadouro 3



Esta semana arranjaram um carrinho de supermercado para levar os ganchos de um lado para o outro do matadouro. O carrinho tem um aspecto mesmo muito... badalhoco!

Um dos managers ofereceu-me uma prenda de Natal, umas miniaturas de perfume (ainda por cima com o preço marcado), com certeza para disfarçar o meu cheiro a ovelha (por lei estamos proibidos de aceitar qualquer prenda, um vez que somos a entidade fiscalizadora). Provavelmente o manager estava-se a tentar escapar ao facto de eu e a Micky termos pedido um borrego pelo Natal (que ele vende a 60 libras cada um).

3 portuguesas residentes em Great Yarmouth trabalharam aqui durante uma semana na parte da limpeza (duas delas tinham pavor de sangue), mas acabaram por desistir porque se chatearam com o dono quando este não as deixou sair mais cedo na véspera de Natal. A partir daí nunca mais ninguém foi contratado para limpar o matadouro (são os próprios trabalhadores que se "quiserem" limpam).

Não consigo lavar o meu equipamento em condições, quando chego ao escritório encontro sempre um bocado de gordura de carneiro agarrada às botas ou ao avental. Bahhh.

Não consigo esquecer o cheiro a carneiro. Até as chaves do carro ficam a cheirar a sebo. E o saco de plástico onde levo a fruta. E os pêlos do nariz!


Na casa de banho há garrafas de plástico vazias. Não vou explicar o que isto significa, mas posso dar uma pista: no meu matadouro trabalham muçulmanos que gostam de usar a casa de banho das senhoras.


Apesar de ser "proibido" os inspectores sanitários entreterem-se a cortar com a faca bocadinhos de fezes, bilis, óleo dos ganchos que tornam a carcaça mais "colorida", continuam a fazê-lo, porque dá muito mais trabalho rejeitar todas as carcaças por contaminação. Este procedimento é chamado de "trimming". Um dos inspectores sanitários que passou por aqui e que se chama "Timmy" foi imediatamente baptizado de "Trimmy".

Está a tornar-se uma "tradição" assustar o inspector inglês do dia (em vez de leite do dia temos o inspector do dia, que traz sempre leite para o chá), dizendo-lhe que ainda faltam 600 animais por abater e que só devemos acabar às 20h. Às vezes os trabalhadores dizem o mesmo também para chatear quem pergunta. E porque é que o inspector inglês é sempre diferente? Porque este matadouro é tão mau que nenhum deles quer ficar aqui mais do que 1 semana. E nós as estrangeiras temos de cá estar todos os dias e habituarmo-nos a diferentes colegas de trabalho.

Roupa para levar para o matadouro nos dias mais frios: meias-calças debaixo das calças, 3 pares de meias, uma camisola interior, uma camisola polar da Decathlon, uma camisola normal e 2 camisolas de lã. Por cima disto tudo vestimos o fato-de-macaco, o avental de plástico e o cinto com o suporte das facas. É dificil mexer-me com tanta roupa, e como sou a única que ando assim vestida toda a gente goza comigo. Já é hábito os trabalhadores perguntarem-me quantas camisolas trago.

Acessório mais importante: os protectores de ouvidos!!! Não por causa do barulho das máquinas (não é um local muito ruidoso), mas para não deixar o frio entrar nas orelhas e para "abafar" as músicas que passam na rádio. Os trabalhadores gostam de sintonizar uma rádio em que a playlist se resume a 10 músicas que eu já não aguento mais ouvir: "Humanizer" da Britney Spears, "Superbitch" (não sei de quem), "Na na na na na" (Akon), "Mariaííí" - versão da música romena que andou na moda há uns tempos (Rhiana), "I kissed a girl", "Here comes the girls", "Promises are made" e "If I was a boy", "Run" (Leona Lewis), e "Love lockdown" (Kanye West).
Apesar de todos estes inconvenientes vou ter saudades deste matadouro, onde trabalhei apenas 2 meses (mas pareceram 2 anos!!). Tenho a certeza que quando estiver na clínica vou sentir saudades de ser inspectora sanitária e de ter um trabalho simples sem grandes preocupações (mas claro que não vou querer voltar, principalmente por causa do frio, brrr)...

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