Toquei à campainha e ninguém respondeu. Havia um carro estacionado. As luzes estavam apagadas. A casa ficava numa das zonas nobres da cidade de Cardiff, perto de um parque com um lago onde toda a gente vai passear aos fins-de-semana. Apenas casas térreas, claro. Casas e uns poucos restaurantes italianos. Algum movimento de carros. Pinos de estrada a tentar persuadir os carros a entrar para as zonas mais residenciais.
Enquanto esperava por uma resposta, pensei no que haveria de dizer. Eu tinha sido enviada a esta casa desconhecida com a missão de verificar se um certo casal de iranianos se apresentava bem de saúde. O tal casal seria amigo de outro casal português da Figueira, seriam uma espécie de "pen" friends em que os iranianos aprendiam português e os portugueses aprendiam inglês. Há um ano atrás o casal de iranianos deixou de responder às cartas. O casal de portugueses ficou preocupado e mandou alguém que vivia nas redondezas investigar - eu.
Reparei que na parte de trás da casa havia um jardim com uma garagem. Nessa garagem encontrava-se um vulto, que me fez concentrar para tentar perceber se era realmente uma pessoa ou uma sombra. Resolvi gritar um "hello" e esse vulto começou a dirigir-se a mim, lentamente e com um ar desconfiado. Era um indivíduo de estatura pequena. Se tivesse feições britânicas iria tornar a minha investigação mais complicada, ainda mais pelo meu interesse relativo na missão. Teriam mudado de casa? Teriam morrido? As dúvidas desvaneceram-se quando o senhor de aproximou. Era moreno, meio careca, sobrancelhas grossas, nariz largo, cabeça redonda, não coincidente com o inglês típico - maior probabilidade de ser quem eu procurava. O senhor estaria provavelmente a pensar que eu seria de alguma associação de caridade a tentar pedir dinheiro. Tinha cara de poucos amigos. Quando reconheceu o nome do casal da Figueira alterou a sua postura e com um sorriso disse em português "como estás".
A sala do casal de iranianos era muito simples, pouco mobilada, apenas com uns sofás e uma televisão. Alguma decoração simples como pratos de bronze e umas mantas talvez de origem persa. Faltava um bocadinho de cor, num país tão cinzento como este o minimalismo nunca é bem vindo. A esposa tinha preparado um chá com umas bolachinhas digestivas de chocolate. Bolachinhas que fingem ser saudáveis por se chamarem digestivas, mas que no fundo não passam de mais uma variadade de bolachas de chocolate. O chá vinha talvez ajudar ao meu desconforto de me encontrar descalça em casa de desconhecidos. "Se os vossos sapatos não tiverem nenhuma lama não precisam de os tirar" tinha dito a esposa iraniana à entrada. Como limpar alcatifa clara dá muito trabalho, acedi em tirar as botas e expor as minhas meias verde-ervilha de dormir, tinha-as escolhido nesse dia por serem quentinhas. Nem tinha reparado que uma das meias estava do avesso, agora sendo um pouco tarde para rectificar tal situação. Aqui no Reino Unido existe muito este hábito de fazer os convidados tirar os sapatos para não sujar a alcatifa. Ainda ninguém entendeu que seria mais fácil não usar um material de chão que atraia tanta porcaria e que não dê trabalho a manter limpo. Se é pelo conforto dos pés podem sempre usar umas pantufas farfalhudas. Enfim, o tempo virá em que descobrirão a verdade.
O casal mostrava-se muito entusiasmado com a nossa presença inesperada. Algo para quebrar a rotina será talvez benvindo. Aparentemente não tinham respondido às cartas por esquecimento, como acontece a todos os "pen friends" mais tarde ou mais cedo. Não penso que seja uma situação habitual uma das partes enviar uma patrulha de reconhecimento, como quem diz "se alguém se iria esquecer de escrever, gostaria de ter sido eu". O senhor era médico em Cardiff. É comum encontrar médicos iranianos. Um em cada três médicos no Reino Unido tiraram o curso fora do Reino Unido. A esposa era esposa. Tinham três filhos e sete netos. Todos um pouco afastados. Não sendo portugueses, não nos mostraram fotografias. Falou-se das diferenças entre Portugal e o Reino Unido e de outros assuntos. O ponto mais insólito da conversa foi quando nos perguntaram sobre uma fruta que há em Portugal que eles gostaram muito. Sem entendermos do que se tratava, foram buscar a máquina fotográfica digital com a fotografia da mesma. Seria o marmelo? Figo? Não, sera afinal a Anona. Também se falou da Tilda Swinton e do seu novo filme.
Depois do reconhecimento feito e de ameaça de nova visita caso não respondessem outra vez às cartas do casal figueirense, trocaram-se números de telefone e deram-se os cumprimentos finais, amigáveis o suficiente para não nos fazer sentir como intrusos. Quando deixámos a casa dos iranianos, já estava escuro. Missão cumprida.
1 comentário:
tu metes-te em cada aventura rapariga!!! só tu!!
Enviar um comentário