sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A Raiva



No outro dia li um post noutro blog sobre o vírus da Raiva que me deixou a pensar. Já me tinha esquecido de como a Raiva é uma doença tão terrível! No Reino Unido a vacina não é obrigatória porque o vírus não existe no país. Este ano as regras mudaram outra vez, antes para que um animal entrasse no Reino Unido teria de ter um teste de sangue negativo para anticorpos da raiva, agora basta o animal ter a vacina, que nem é de obrigatoriedade anual como em Portugal. Animais que não obedeçam a estes critérios vão para quarentena (e o dono tem de pagar a comida e o alojamento durante esse tempo). Ainda me lembro quando o Mourinho ficou furioso por ter de colocar o seu Yorkshire Terrier em quarentena por não ter os papéis em dia. Em Portugal as regras são mais apertadas, todos os animais têm de ter a vacina todos os anos e qualquer animal não vacinado que morda uma pessoa tem de ir para quarentena. Muitos caçadores tentam fugir à vacina porque dizem que os animais vacinados perdem as capacidades olfactivas e deixam de servir para caçar. Sinceramente não sei de onde isso vem.

A raiva é um vírus que causa sintomas neurológicos 100% fatais em todos os mamíferos (humanos, cães, gatos, raposas, morcegos, ovelhas, cavalos, vacas, coelhos, etc etc etc). A doença transmite-se pela saliva de um animal raivoso. Quando o animal "possesso" morde a vítima, o vírus infiltra-se nos tecidos e espalha-se pelas células nervosas (ao contrário da maioria dos vírus e bactérias que se espalham no corpo pelo sangue). Isto quer dizer que se a pessoa for mordida no pé o vírus demora muito mais tempo a chegar ao cérebro do que se for mordida no ombro. No ano passado houve uma pessoa nos Estados Unidos que morreu de Raiva porque foi mordida 8 anos antes no Brasil! Durante esses 8 anos o vírus viajou muito devagarinho, com muita calminha, desde o pé até ao cérebro. Uma estratégia inteligente do vírus porque assim o animal ou pessoa tem tempo para viajar  e espalhar a doença noutros locais!

Quando o vírus finalmente chega ao cérebro as coisas começam a correr mal. Não é uma morte simpática. A pessoa fica com períodos alternados de consciência e psicose, paranóia, insónia, dor, febre, convulsões, muita saliva, muitas lágrimas, alucinações e hidrofobia (medo da água). A hidrofobia acontece devido à dificuldade em engolir devido à paralisia da garganta. Ou seja, dá mm bom filme de terror.

A Raiva não é a única doença transmitida por animais que anda por aí, existem outras doenças assustadoras (Ébola, SARS, Gripe, Hantavírus, etc), mas o facto de a Raiva ser transmitida principalmente por cães é um conhecimento mesmo muito antigo. Há 4 milénios atrás já toda a gente sabia que não era lá muito bom ser-se mordido por um cão raivoso. E desde aí que se tenta tudo para a prevenir, mas não é fácil. Hoje me dia, mesmo com a vacina, ainda há 50000 pessoas a morrem anualmente! Antes de existir a vacina queimava-se a zona da dentada para tentar matar o vírus. Os doentes viravam-se para a religião e os padres arranjavam chaves abençoadas pelo Santo Hubert (o santo patrono da caça e dos doentes de Raiva), chaves essas que aquecidas no fogo serviam para cauterizar as feridas. Pensa-se que as lendas dos vampiros e dos lobisomens tenham origem na Raiva. Na mitologia o cão de três cabeças Cerberus (que guardava a entrada do submundo) supostamente espalhava Raiva. Numa fase acreditava-se que os cães tinham raiva devido à frustração sexual e chegaram-se a criar bordéus para os cães para tentar diminuir a doença. E claro que ao longo dos tempos muitas "matanças" de cães decorreram.

Tanto tempo sem tratamento, tantas lendas criadas, a única coisa que se sabia era que  "dentada = más notícias", até que finalmente Louis Pasteur descobriu uma vacina, que hoje em dia é tão rotineiramente utilizada a seguir a dentadas suspeitas. Pasteur era muito corajoso, já que precisou de trabalhar num laboratório cheio de animais infectados (o vírus não cresce numa placa de Petri). Depois de experiências com saliva de cães raivosos sem grande sucesso, lá se viraram para os coelhos e foi aí que conseguiram mais resultados. Começaram a cortar o cérebro de coelhinhos raivosos e implantar essas células no sistema nervoso de outros coelhos. Ao fazendo este passo repetidamente conseguiram criar uma estirpe super-virulenta do vírus, que foi em seguida inactivada por um processo muito complexo: secar a medula espinhal do coelhinho ao ar durante alguns dias. Esse material serviu para criar a vacina, que pode ser utilizada para prevenir ou para tratar a doença. Geralmente os cientistas testam estas coisas em si próprios, mas Pasteur teve a oportunidade de experimentar a nova vacina num rapaz que tinha acabado de ser mordido por um cão, numa experiência um bocado às escondidas que felizmente acabou em sucesso (se bem que muitos dizem que se calhar o rapaz não tinha raiva em primeiro lugar). De qualquer forma a vacina evoluiu até funcionar muito bem. Entre outros feitos, Pasteur descobriu a pasteurização e também começou a pedir aos médicos para lavarem muito bem as mãos antes das cirurgias.

Ainda bem que vivo numa região sem Raiva!

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